Michel Yakini Fala da Importância dos Saraus na Periferia

  • 19:37
  • 09 setembro 2016
  • Michel Yakini autografando seus livros

    A escrita, o futebol, o sarau são algumas das paixões do escritor, produtor cultural e educador Michel Yakini que lançou em 2007 o sarau Elo da Corrente, em Pirituba. Nesta entrevista por e-mail para o blog Livro sem frescura ele fala de suas paixões, da falta de reconhecimento do negro na literatura e dos escritores que inspiram sua carreira literária.

    Paixão pela literatura
    "Cresci em uma casa que não havia livros. A palavra versada sempre foi mais presente, nas cantigas de terreiro que acompanho desde miúdo, nas rodas de capoeira e de samba que acontecem no meu bairro e por ficar enamorado com as rimas do rap na adolescência, ouvindo e copiando as letras. A primeira literatura que tive contato foi com minha irmã mais velha que, quando começou a trabalhar, comprava revistas de H.Q, principalmente de terror e humor e me emprestava."

    Gibis e família
    "Eu me lembro também de um tio que era colecionador das revistas da Turma da Mônica e da Placar, e essas publicações foram chave pra minha formação como leitor.
    Eu me interessei pelos livros a partir dos 16 anos, por influencia do movimento punk, que acompanhava com meus amigos, lia os fanzines e livros que falavam de anarquismo. A ficção veio depois, com os clássicos do vestibular e quando conheci a literatura dos escritores e escritoras da periferia, aí me identifiquei e comecei a escrever também."

    Sarau Elo da Corrente
    "Em 2005 retornei a São Paulo depois de morar em Curitiba e retomei um programa que fazia na rádio comunitária do meu bairro. Esse programa era chamado "Voz da Periferia" e eu fazia em parceria com escritora Raquel Almeida (na época ela cantava rap), mas nós já estávamos antenados na cena dos saraus e da literatura nas bordas da cidade, porque também escrevemos e a intenção era fazer algo no bairro, pra além da rádio. Já conhecia pessoalmente o escritor Alessandro Buzo e a escritora Elizandra Souza e eles sempre falavam da Cooperifa. Quando visitamos o sarau da Cooperifa, em 2006, viemos pra casa com a sensação de que era isso que queríamos fazer em nosso bairro."

    Começo do Elo da Corrente
    "Nós começamos em junho de 2007, e no primeiro encontro convidamos as pessoas da nossa comunidade, em Pirituba, as que a gente sabia que faziam versos, rimas e contavam histórias. Nessa noite foi o lançamento do meu primeiro livro e por isso os familiares também compareceram em peso. As pessoas ficaram perguntando quando seria o próximo e resolvemos fazer semanalmente, algumas pessoas continuaram, outras nunca mais vieram e muitas outras chegaram. Desde 2011 o sarau acontece mensalmente, no bar do Santista."

    Literatura no Brasil
    "A literatura não faz parte do projeto de "desenvolvimento" do país. Os casos recentes mostram que, na fala de gente influente, artista virou sinônimo de vagabundo, um departamento do Ministério da Cultura ligado ao livro e a leitura foi desmantelado, e a Flip foi contestada, principalmente pelas escritoras negras, porque sempre convida o mais do mesmo. O mercado editorial brasileiro, de acordo com uma pesquisa da professora Regina Dalcastagné da UNB, não valoriza a diversidade de escritores e escritoras do país, mantendo e premiando publicações que atendem a um perfil autoral bem definido, que na média são homens, brancos, dos grandes centros, graduados e da classe média, referendados por uma crítica que pouco se interessa por outras vertentes e que detém o carimbo exclusivo da "qualidade literária".

    Viver de literatura
    "São poucos artistas que vivem de literatura, é fato, mas isso não é um caminho natural, boa parte desse efeito se deve a um mercado literário inacessível e conservador e as politicas culturais que não priorizam a formação de leitores e a valorização de quem escreve."

    Livro "Crônicas de um Peladeiro" e a paixão pelo futebol
    "Foi a junção de duas paixões, futebol e literatura. Esse encontro aconteceu pela linguagem e pela memória. O futebol pode ser visto como arte, como prática criativa, cheia de poesia, pois movimenta o imaginário de quem gosta e essa poesia mora principalmente nos campos de várzea, no futebol de rua, no sonho da molecada e aí a memória foi o alimento principal. O livro é uma junção de crônicas que passeiam por esse universo alternativo do futebol, mas também de textos que privilegiam as entrelinhas dos grandes jogos."

    Amigos e as crônicas
    "A preparação da obra foi em diálogo com grandes escribas que dedicaram suas palavras pra escrever sobre futebol, como Mário Filho, Cidinha da Silva, Eduardo Galeano, Paulo Mendes Campos, Marco Pezão e Tostão".

    Inspiração
    "Gosto de ler pela manhã, sinto que a leitura fica mais leve quando acordo, gosto que a primeira prosa do dia seja com os livros, com a trama de um conto, de um romance, ou no mergulho de um poema. Escrever normalmente acontece ao longo do dia, no computador, assim que escrevo as crônicas que publico e preparo meu próximo livro. Antes de dormir tenho costume de escrever a mão, num caderno que reúne textos que dizem sobre o que der vontade naquela noite, quase nunca revisito esse escrito à mão, é mais pra exercitar mesmo. Já o texto do computador passa por várias versões e impressões e correções antes de ser publicar ".

    Escritores mestres

    Escritora Conceição Evaristo é fonte de inspiração
    "A escritora que mais tenho lido ultimamente é a Chimamanda Adichie, nigeriana, gostei muito de ler seus romances 'A cor do hibisco', "Americanah" e seu livro de contos "Aquela coisa a volta do seu pescoço" e agora estou começando "Meio sol amarelo". Leio  João Antonio, Conceição Evaristo, Dinha, Allan da Rosa, Akins Kinte, Saramago, Pepetela, Ondjaki, Ana Paula Tavares, Toni Morrison, Alice Walker, Plínio Marcos, Manoel de Barros, Lima Barreto, Machado de Assis, João do Rio, gente que acompanho a obra e vira e mexe tô lendo".

    Jovens e a literatura

    Michel Yakini na feira do livro do México
    "Essa é uma pergunta que me faço toda as vezes que visito uma escola, uma unidade da Fundação Casa, uma biblioteca e quando leio com a minha filha. Um caminho é não separar a literatura da vida, como se fosse algo que só pode ser feito em silencio, de cabeça baixa e acompanhado de um defunto. Literatura pode ser em voz alta, com o corpo, pode ser jogando, pode ser cantada, pode ter cheiro e sabor, pode ter identidade, pode ser com gente viva, isso movimenta nosso interesse, não só dos jovens, mas de muitos adultos que ainda não despertaram o prazer por leitura".

    Saraus


    "Os saraus são espaços de livre expressão, são lugares de experimentação de linguagem e isso faz a gente mudar nossa posição em relação ao mundo. Os saraus mudam nossa respiração, nossa postura corporal, faz a gente olhar menos pro chão e mirar mais horizonte. Acho que antes de se interessar pela participação nas causas sociais, o que também acontece de monte, as pessoas que participam dessas rodas cutucam a si mesmo, transformam suas paredes em janelas e recitam poemas pra vizinhança que acabou de abrir uma janela nova dentro de si e quer recitar pra você também".

    Futuro literário
    "Estou trabalhando no meu novo livro, um romance intitulado "Nascentes de Mel", e batalhando editora pra publicação. Tenho alguns eventos marcados em escolas e centros culturais, não há previsão de chegar no interior, mas será um prazer conhecer Ribeirão Preto e a região, espero que pinte uma oportunidade, sei que a cidade tem alguns eventos literários e uma feira, quero estar com vocês em breve".

    (Originalmente publicado no ACidade ON)

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